quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

Esclerose Múltipla

A Esclerose Múltipla (EM) ou Esclerose em placas é uma patologia inflamatória crónica do Sistema Nervoso Central (SNC) de etiologia desconhecida, embora evidências apontem para um mecanismo auto-imune subjacente. É uma doença desmielinizante, que se caracteriza por inflamação e destruição selectiva da mielina do SNC, sendo que o Sistema Nervoso Periférico não é atingido.
A EM atinge o SNC com focos dispersos nos hemisférios cerebrais, com especial predomínio na substância branca periventricular, tronco cerebral, cerebelo e medula espinhal. A ordem comum de aparecimento das lesões é: medula espinhal, tronco cerebral e hemisférios cerebrais.

Em termos anatomopatológicos a doença caracteriza-se por:
• Lesões focais da substância branca (placas)
• Desmielinização e axónios relativamente preservados nas lesões mais recentes
• Gliose (formação de cicatrizes) e perda neuronal nas lesões mais antigas
• Infiltrados inflamatórios perivasculares

As manifestações da doença variam desde uma forma benigna a uma doença rapidamente progressiva e incapacitante, sendo a grande causa de incapacidade em adultos jovens.
A EM é uma doença do adulto jovem, estando a idade de início normalmente entre os 20 e os 40 anos, com o pico do diagnóstico na terceira década de vida (as manifestações são raras antes dos 15 e depois dos 60 anos). É mais frequente nos caucasianos, excepcional nos ciganos, índios americanos e esquimós, e tem, provavelmente, uma etiologia multifactorial para a qual contribuem aspectos individuais (genéticos) e factores ambientais ainda não identificados.


Nos doentes com EM existem subpopulações de células T auto-reactivas contra determinados antigénios existentes na mielina do SNC, sendo activadas por factores ainda desconhecidos que podem incluir superantigénios, infecções virais ou o próprio stress. Desta forma originam-se células Th1 activadas, que penetram no SNC, activando mecanismos imunitários que perpetuam a inflamação, criando as condições para a apoptose e morte dos oligodendrócitos e neurónios.

Pode-se então considerar três graus de lesão:
• Inflamação – defeito transitório, remissão espontânea
• Desmielinização – defeito permanente, com flutuações induzidas pelo calor; recuperação potencial, nunca completa, através de remielinização pelos oligodendrócitos
• Perda neuronal – defeito permanente, sem flutuações, sem recuperação potencial
A inflamação e a desmielinização são responsáveis pelos episódios de exacerbação da doença e os efeitos residuais que daí resultam, enquanto que a perda axonal explica a evolução progressiva da EM, condicionando uma incapacidade cumulativa e irreversível. Com a passagem do tempo a díade inflamação-reparação tende a diminuir e a neurodegeneração tende a aumentar.

O aspecto mais relevante da clínica da EM é a sua grande variabilidade. A doença pode evoluir de uma forma recorrente-remitente (por surtos, que se sucedem no tempo com periodicidade variável, geralmente um surto a cada dois anos), primariamente progressiva (progride desde o início, sem que haja individualização de surtos), secundariamente progressiva (evolução inicial recorrente-remitente, por surtos, mas depois entra numa fase progressiva) ou remitente-progressiva ou transicional (evolução insidiosa e progressiva desde o início, pontuada, no entanto, por surtos de agravamento muito bem individualizados).

Em cerca de 85% dos casos o início da doença verifica-se pela sua forma recorrente-remitente. Um surto caracteriza-se por sinais e sintomas que traduzem a presença de múltiplos focos de inflamação do SNC e desmielinização. Os sintomas instalam-se durante alguns dias e estabilizam dentro de 4 semanas, regredindo parcial ou totalmente. Um surto não é induzido pelo calor ou por febre, dura mais de 24 horas e estende-se por um período de 4 a 6 semanas, sendo que todos os sinais e sintomas neurológicos que surjam ao longo de um mês fazem parte do mesmo surto. Os surtos podem incluir novos sinais e sintomas ou consistir num agravamento de sinais pré-existentes.

O quadro clínico da EM divide-se em sinais e sintomas típicos (aparecem por lesão na substância branca, sendo mais precoces na doença) e atípicos (aparecem por lesão na substância cinzenta, surgindo em fases mais tardias da patologia).
Os sinais típicos incluem a Nevrite Óptica (constitui um surto inicial em 35% dos casos e cerca de 60% dos doentes experimentam um episódio ao longo da sua evolução), nistagmo, diplopia (causada maioritariamente por paralisia do VI par craniano, muito sugestivo de EM), vertigens, fraqueza (um dos primeiros sintomas em 48% dos doentes), espasticidade, sintomas e sinais sensitivos (inaugurais em 31% dos doentes), disfunção vesical ou sexual.
Os sintomas/ sinais atípicos incluem afasia, hemianópsia, atrofia grave da massa muscular, ataxia e demência, entre outros.


A EM é uma doença imprevisível e com prognóstico difícil de estabelecer individualmente. A incapacidade que a caracteriza resulta essencialmente de dois factores:
• Defeito cumulativo que resulta das sequelas de surtos sucessivos
• Evolução progressiva da doença, a qual irá determinar a severa incapacidade que os doentes com EM poderão vir a experimentar.

A incapacidade pode ser avaliada segundo uma escala, que se denomina EDSS – Expanded Disability Status Scale (com pontuação entre 0 e 10, atribuída pelo exame neurológico dos diferentes subsistemas funcionais). Aos 10 anos de doença é atingido um patamar EDSS de 5, em que o doente consegue percorrer 200 metros sem assistência, mas tem limitações no desempenho de um dia de trabalho. Aos 15 anos de doença atinge um EDSS de 6,5, necessitando de apoio bilateral constante. Aos 29 anos de doença atinge um EDSS de 7, necessitando de cadeira de rodas para se mobilizar.


A gravidez exerce um efeito protector na doença, com um menor número de surtos. Pelo contrário, no puerpério há uma maior susceptibilidade de sofrer surtos de exacerbação.

O diagnóstico de EM implica a demonstração da existência de duas ou mais lesões da substância branca do SNC disseminadas no espaço e no tempo e a exclusão de situações que possam apresentar um quadro clínico semelhante. Recorre-se a elementos clínicos, nomeadamente à história clínica e ao exame neurológico, e a dados fornecidos pelos exames complementares de diagnóstico, mais concretamente da Ressonância Nuclear Magnética (permite confirmar o diagnóstico de EM e compreender a sua história natural), dos Potenciais Evocados Multimodais (visuais, auditivos e somatossensitivos) e dos exames laboratoriais (imunoelectroforese do LCR).

Bibliografia
Pimentel, J.; Ferro, J.; Neurologia - Princípios, Diagnóstico e Tratamento; Lidel, Lisboa 2006

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